terça-feira, 2 de abril de 2013

Contos de fada e o mundo moderno: seria hora de o príncipe ser um sapo?

As histórias infantis clássicas muito bonitinhas e com finais sempre felizes agradam muito os príncipes e princesas que temos em casa. Mas será que não estão ultrapassadas para a realidade?


Por sua própria condição, a criança vive num mundo de fantasias e tudo o que é lúdico, fantástico e que caminha na linha da imaginação é extremamente positivo para seu desenvolvimento e crescimento. Faz parte da vida da criança sonhar, imaginar, fazer de conta.

Mas é preciso atentar para detalhes importantes destas histórias da literatura clássica infantil: envolvendo as relações entre as pessoas em suas diversas dinâmicas, as histórias de contos de fadas trazem estereótipos que, muitas vezes, conflitam com a vida real.

As princesas são sempre lindas, magras, muitos sofridas. Os príncipes normalmente chegam a cavalo com seus olhos claros e uma vida de riqueza. Corações, estrelas, florzinhas, bruxas, dragões, o bem contra o mal. Heróis e heroínas. O casamento como final feliz. É a ficção estereotipada com sua visão maniqueísta. Até que ponto esta apresentação de “modelo de convivência” é saudável?

O psicólogo Ricardo Taveiros Brasil faz uma reflexão mais profunda sobre o assunto “Modelos problemáticos de identificação estão por toda parte e as crianças (que hoje são expostas a um modo de socialização direta via meios de comunicação - o muitas vezes sem a mediação dos adultos) ficam à mercê daquilo que se lhes apresenta - o que é, sem dúvida, um risco enorme numa sociedade em que aqueles valores humanistas de alguns contos de fadas se mostram um tanto anacrônicos, já que o grande barato hoje é se sobressair, ocupar posições de destaque e de mérito individual, estacionando a criança num narcisismo que pede superação.”

Para ele, algumas histórias (talvez as mais antigas) facilitam a ponte “fantasia e realidade”, entretanto as produções contemporâneas perderam um pouco este fio condutor  e apresentam à criança um  “mundo cor-de-rosa, onde amo você, você me ama, somos uma família feliz", pontua Ricardo.

Questionado se estes estereótipos podem prejudicar a criança quanto ao seu posicionamento no mundo futuramente, o psicólogo responde: “Acho difícil afirmar, de maneira categórica, que os modelos identificatórios das histórias e dos personagens necessariamente comprometem o futuro do sujeito no que diz respeito ao seu posicionamento em relação às escolhas valorativas (o que não significa dizer que não possam influenciar de alguma forma). (...) se, eventualmente, o indivíduo estiver inserido num contexto que favoreça uma resistência à pseudoformação atual e conseguir alguma apropriação subjetiva da cultura (sinônimo de formação, segundo Theodor Adorno), ele poderá revisitar criticamente os valores que lhe foram transmitidos, conferindo-lhes outros significados ou até mesmo superando-os”.

O fato é que a criança se apresenta ao mundo de acordo com o diálogo que ela aprende. O debate não sugere cercear os pequenos do mundo da imaginação, mas apenas direcioná-los a conviver com as diferenças.  Se o diálogo é feito com base na tolerância, no respeito às desigualdades, na inteligência como base para posicionamento no mundo, é bem provável que esta criança se torne um adulto consciente, inserido no mundo real e desprovido das chagas da vida social (preconceito é uma delas).

Princesas podem ser gordinhas, sardentas, baixinhas, andar de cadeira de rodas, serem ótimas contadoras de histórias. Príncipes podem ser carecas, podem ter apenas uma perna, podem morar numa casa modesta, podem ser dotados das mais diversas habilidades profissionais. A bruxa pode ser uma mulher apenas atrapalhada e desprovida de maldade. O dragão pode ser bonzinho.

No mundo moderno, seria interessante que os clássicos apresentassem uma nova roupagem, um diálogo mais condizente com a condição humana de interagir pelas virtudes, pelas conquistas através do esforço, pela aceitação de que não existe um único modelo de felicidade. Mas que podemos ser todos verdadeiramente felizes para sempre com o que temos e com o que podemos oferecer.

Ricardo Taveiros Brasil é psicólogo e mestrando em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. O trecho completo da reflexão dele sobre o tema pode ser solicitado na seção Comentários deste blog.

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